The Walking Dead: Survival Instinct


Saturação é um negócio complicado. A capacidade de extrair até a última gota de conteúdo, abusar até o último suspiro de originalidade, seja lá de qual obra/pessoa/movimento, parece algo inerente ao mundo em que vivemos. Não importa do que se trate: fez sucesso, arrecadou dinheiro, atingiu o grande público, a extorsão virá. E no caso da excepcional HQ criada por Robert Kirkman, The Walking Dead, tardou, mas não falhou.

O novo jogo da Terminal Reality (os mesmos caras responsáveis pelo excelente Ghostbusters: The Video Game, pasmem) em parceria com a carniceira Activison, The Walking Dead: Survival Instinct, é o que de pior poderia surgir de um universo tão vasto, rico e intrigante, que já se estendeu (de maneira muito satisfatória, devo ressaltar) para livros, série de TV, culminando nao bra-prima da Telltale Games.

Porque, aparentemente, o sucesso dos mortos-vivos exibidos pela AMC ainda não é o suficiente para os engravatados cadeirudos que controlam os títeres, mesmo quando angariam recorde atrás de recorde de audiência mundo afora. Afinal de contas, que fã de The Walking Dead seria maluco o bastante para não comprar um jogo protagonizado por Daryl Dixon?

O jogo que fez Merle chorar


Com a premissa de anteceder eventos da popular e popularesca série de TV, tomaríamos o papel de um de seus personagens mais queridos pelos fãs, Daryl, antes de sua primeira aparição e posterior encontro com Rick Grimes. Ausente nas HQs, mas ainda assim atingindo de forma certeira uma grande fatia dos entusiastas pela saga, Daryl é um grande cara. Sempre resolvendo problemas, sempre trocando sopapos com Rick e sempre munido de seu fiel crossbow, foi uma decisão natural colocá-lo como protagonista em seu próprio jogo. Mais interessante ainda se pensássemos que teríamos a oportunidade de conhecer mais de seu passado, seu relacionamento com seu complicado irmão Merle e, quem sabe, descobrirmos como chegou a ser quem é hoje. Ao menos foi isso que nos prometeram e, como você deve imaginar, não cumpriram.

A trama de Survival Instinct tem início na pele do pai dos irmãos Dixon, enquanto caçando cervos e se deparando com seu primeiro morto-vivo. Numa sequência bastante fraca, a qual já dá o tom do restante do jogo, somos apresentados a um Daryl frágil, incapaz de por fim ao sofrimento de seu pai que acabara de ser mordido por um dos “errantes” (ou walkers, como são conhecidos na série). Abusando da já afamada abertura do programa da AMC, somos erroneamente guiados a crer que, quem sabe, estaríamos prestes a por as mãos em um jogo de tiro em primeira pessoa decente. Afinal, o que poderia dar errado? Bons personagens, boa produtora, gênero consagrado, somado a isso o fato de que a série de TV está num momento crucial, muitas vezes protagonizado pelos mesmos personagens. Pois é, quem dera tivesse dado ouvido às minhas entranhas (sim, elas falam comigo) quando me deparei com aquela que provavelmente foi a tela de press start mais patética e horrorosa de que consigo me lembrar. No entanto, tenho alta tolerância a porcarias, então segui em frente.

Não espere muito – ou nada – da narrativa de Survival Instinct: Daryl começa a aventura com seu tio, ambos a procura de Merle, e, no caminho, encontram sobreviventes em hospitais, fazendas, mercados e por aí vai. Mas não se empolgue: tais personagens, como tais limitados e nada inspirados cenários, não passarão de esquecíveis. O que, na verdade, para um jogo desse nível, não é de todo mal. Antes esquecível do que algo que fica encrustado no cérebro, queimando como brasa a cada lembrança não deliberada, como acontece com praticamente todo o restante da aventura. Sério, os caras conseguiram retroceder mais de dez anos dentro de um gênero que está mais desgastado – e, por consequência, lapidado – do que qualquer outro. E a pior parte? Você sente a regressão dentro de você, e é ainda mais horroroso do que o abraço de um zumbi querendo chupar seu cérebro.


Retrocesso por necrose

Começar a criticar Survival Instinct por seus péssimos gráficos (zumbis plastificados, texturas inexistentes e cenários nada detalhados), trilha sonora mal colocada (quantas vezes foi preciso ouvir a música de abertura da série?) ou qualquer outro problema mais técnico e inalcançável pela parte passiva da experiência, seria desonesto. Não o farei. Veja vídeos de gameplay por aí, se é que já não viu. Aliás, se já o fez, imagino que você não estaria lendo este texto, mas sim em alguma esquina movimentada distribuindo panfletos contra a comercialização desta vil obra do entretenimento eletrônico.

Mesmo que arcaico em praticamente qualquer quesito possível e imaginável, é na parte mais importante que Survival Instinct falha miseravelmente em apresentar uma experiência minimamente suportável. Controlar Daryl é como empurrar um saco de cimento furado por uma via de paralelepípedo. Seus movimentos são quadrados, seu pulo é ineficiente (a menos, claro, que queira se prender nos cenários, resultando num inevitável restart level) e a mira é, digamos, monstruosa.

Toda a disposição de informação na tela é tão asquerosa, que tive a impressão de ser um beta tester enquanto jogava, pronto a entrar em contato com os responsáveis e apontar problemas. Depois de se adaptar ao “troço branco enorme” bem no meio da tela, você vai perceber como a interação com o cenário é quase que inexistente. A menos que você trombe com uma lata de lixo, daí sim você a verá rolando e, as vezes, fazendo algum barulho no processo. Do contrário, uma mera cadeira será um empecilho.


Esqueça revirar gavetas, armários, sofás ou qualquer outro tipo de mobília que, potencialmente, poderia esconder algo que o ajudaria num apocalipse zumbi. Você só está atrás de energéticos e de uma espécie de salgadinho que se come sem abrir o pacote. É assim que Daryl recupera sua energia. Sem problemas aí, já que minha série favorita faz uso de ervas verdes para separar os vivos dos mortos. No entanto, é ridículo se ver correndo de um bando de errantes, com suor escorrendo pela testa (logo, pela tela) e sacar um energético antes de fechar a porta atrás de si. Porta essa que será esmurrada pelos mortos até se tornar pó, abrindo caminho a mortualha. Tentou visualizar tudo isso? Certo, agora faça isso imaginando Daryl com um machado nas mãos, aquela que é, sem dúvida nenhuma, a arma mais poderosa de todo jogo, entre revólveres e rifles de caça. Enquanto aguarda no canto da sala, em posição defensiva, segura um poderoso golpe (sim, é possível “carregar” o ataque com armas brancas), com destino ao pescoço do primeiro do bando, cuja cabeça voa metros acima e afrente, como se um motorzinho a propulsionasse. Segurando a risada (o jogador, não o Daryl), há a antecipação pelo que está por vir, pois há muitos para serem enfrentados, e estes, respeitosamente, fazem fila indiana para devorar o caipira galã, numa espécie de minigame onde se deve centralizar a mira na cabeça do morto-vivo para desferir um golpe de faca certeiro. Um após o outro, até que todos estejam mortos, ou até que você tenha sido impreciso o suficiente.

Um confronto com uma horda de mortos-vivos é quase sempre igual, como também um embate com cada um em particular. Os zumbis agem todos da mesma forma e são sempre derrotados da mesma maneira: quatro marteladas, três golpes bem dados com um cano, uma machadada melhor intencionada. O famoso crossbow de Daryl também está presente e há até uma historinha por trás dele – bem ruim, devo dizer. Mas não se empolgue: muitas vezes as flechas acertam o alvo mas não causam dano, somem na parede antes que se possa recuperá-las ou simplesmente atingem o zumbi e caem no chão. Numa situação mais apertada, com muitos mortos-vivos no seu encalço, o crossbow certamente não será sua opção. Como na série, este é recomendado para manter o silêncio, tentando fazer uso de uma estrutura de matar na surdina tão ineficaz quanto todo o restante do jogo. Executar zumbis de forma rápida e certeira quase sempre será sua melhor forma de abordagem, mas cuidado: você pode ouvir o grunhido de um inimigo no seu cangote enquanto este, na verdade, encontra-se a muitos metros de distância. Ótimo trabalho do pessoal de efeitos sonoros, devo ressaltar.


Um apocalipse zumbi que você não quer sobreviver

O que Survival Instinct tenta fazer de diferente não passa de uma mera ideia muito mal executada. E nem ao menos diria tratar-se de uma boa ideia. Na busca pelo seu irmão, Daryl irá se deparar com sobreviventes que podem vir a fazer parte de seu grupo. Não que você irá jogar acompanhado de mais alguém (multiplayer passou longe daqui), mas ao ingressar numa nova área, é possível enviar pessoas cidade afora, afim de encontrar combustível, comida ou munição. É também possível armá-las, diminuindo as chances de que morram no processo. Na verdade, tudo aqui não passa de tabelas e estatísticas, com os sobreviventes quase sempre morrendo enquanto saqueando ou voltando moribundos e com quase nada a oferecer. E o mais engraçado: o inventário disponível é bastante limitado (tanto de Daryl quanto de seu veículo) e muitas vezes você terá que descartar o que foi encontrado por não ter onde guardar. Pior ainda é resgatar alguém numa fase e ter que despachar o coitado ao término desta, por não haver mais espaço no carro...

Combustível é imprescindível para seguir viagem, esta representada por uma enfadonha cutscene do veículo na estrada, vez ou outra aliada a conversa entre os passageiros. Uma tela de carregando porcamente disfarçada, já que, algumas vezes, serão longos minutos de espera ali. Caso a gasolina termine, Daryl será forçado a parar o carro e vasculhar os arredores por galões de combustível. Uma ideia bastante válida, não fossem os pontos quase sempre idênticos, não importa onde seja necessário parar. São algumas poucas ruas, uma garagem à beira da estrada ou um trem descarrilhado, concluindo ser só mais um indício do péssimo trabalho dedicado ao jogo.

Vez ou outra ainda é possível escolher entre um ou outro caminho, ou então encontrar um atalho a ter que empurrar carros pela via, afim de evitar encontros com hordas inimigas e encontrar suprimentos, mas é sempre chato fazer tudo isso. Será admirável caso alguém resolva iniciar uma nova partida só para ver esses caminhos alternativos – ainda mais depois da detestável sequência final.

Concluir que The Walking Dead Survival Instinct não passa de um produto oportunista, vexatório e enganador é o básico. Avaliá-lo como um câncer que ainda está inerente a indústria, como hambúrgueres vendidos acerca do lançamento de um novo filme infantil, é muito mais pertinente. Nem mesmo o fã mais fervoroso de The Walking Dead deve chegar perto de tamanha atrocidade. Faça sua parte e dissemine o ódio para com produtores e produções sanguessugas, sem nenhum propósito de existir além de extorquir fãs cegos e desavisados.

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